Pai dos burros, desmancha-dúvidas,
tira-teimas, tesouro do idioma… São muitas as denominações que são dadas a essa
obra, mas para que exatamente ele serve?
De modo geral, as pessoas (as
inteligentes, não gosto da denominação ‘pai dos burros’, pois só os
inteligentes reconhecem as próprias limitações e recorrem ao dicionário) consultam o dicionário para
descobrir o significado de termos desconhecidos, mas essa não é a única
utilidade dessa obra e o dicionário de língua é o único tipo que existe.
Isso só para mencionar o dicionário de
língua. Mas esse não é o único tipo de dicionário existente. Segundo o Houaiss,
podemos encontrar:
- d. analógico: o que reúne as palavras, em grupos analógicos segundo a sua afinidade de ideias, partindo de conceitos para indicar os seus significantes linguísticos; dicionário de ideias afins, dicionário ideológico
- d. bilíngue: a forma mais simples de dicionário plurilíngue, que permite a tradução de vocábulos e expressões de duas línguas e estabelece o confronto entre ambas
- d. de antônimos: obra de referência que reúne palavras em grupos relacionados com base em uma oposição entre seus significados
- d. de língua: obra de referência atemática que procura retratar a língua do ponto de vista do conjunto de suas palavras (incluindo nisto unidades elementares mínimas do tipo dos afixos, radicais etc., as chamadas palavras gramaticais e vocábulos metalinguísticos) e descreve, por meio de abonações e/ou exemplos, suas estruturas sintáticas através do funcionamento das unidades no uso, acrescentando-lhe informações periféricas do tipo classe gramatical, ortoépia, nível de uso, propriedades sintáticas etc., para seu mais perfeito domínio; dicionário geral
- d. de sinônimos: obra de referência que reúne palavras em grupos relacionados com base em uma semelhança ou equivalência entre seus significados
- d. enciclopédico: obra de referência de natureza híbrida, que mescla a técnica dos dicionários de língua com informações de ordem enciclopédica, incluindo também. verbetes biográficos, toponímicos, históricos etc.
- d. etimológico: o que registra a origem, derivação e formação das palavras a partir de suas formas mais remotas atestadas, levantando dados relativos à evolução do seu significado e por vezes identificando a família de seus cognatos
- d. geral: m.q. dicionário de língua
- d. inverso: dicionário que traz alfabetadas as palavras por grupos segundo as suas terminações [Freq. us. como dicionários de rimas, embora estes sejam um caso especial daquele.]
- d. onomasiológico: aquele que parte dos significados para apontar os seus significantes (p.ex., os dicionários analógicos) p.opos. a dicionário semasiológico
- d. plurilíngue: dicionário que traduz ou verte termos de uma língua para duas ou mais outras línguas
- d. semasiológico: aquele que parte do signo linguístico para determinar o seu significado (p.ex., este dicionário) p.opos. a dicionário onomasiológico
Além desses, encontramos ainda o
dicionário de regência verbal, que apresenta a transitividade dos verbos e o
tipo de complemento que cada sentido dos verbos necessita, o de regência
nominal, que indica como deve ser preposicionado o complemento nominal dos
substantivos, adjetivos e advérbios, e o dicionário de rimas, muito útil ao
poetas.
E por falar em poetas,
seguem alguns poemas que, metalinguisticamente, colocam o dicionário como
assunto, rendendo-lhe a devida homenagem:
Marco Cremasco é prof.na Faculdade de
Engenharia Química da Unicamp
E, para finalizar, uma Ode, a “Ode ao
Dicionário”, de Neruda:
ODE AO DICIONÁRIO
Lombo de boi, pesado
carregador, sistemático
livro espesso:
quando jovem
te ignorei, me vestiu
a suficiência
e me acreditei completo,
e estufado tal um
melancólico sapo
recitei: “Recebo
as palavras
diretamente
do Sinai bramante.
Reduzirei
as formas à alquimia.
Sou um mago.”
carregador, sistemático
livro espesso:
quando jovem
te ignorei, me vestiu
a suficiência
e me acreditei completo,
e estufado tal um
melancólico sapo
recitei: “Recebo
as palavras
diretamente
do Sinai bramante.
Reduzirei
as formas à alquimia.
Sou um mago.”
O grande mago se calava.
O Dicionário,
velho e pesado, com seu jaquetão
de couro desgastado,
se aquietou silencioso
sem mostrar suas provetas.
velho e pesado, com seu jaquetão
de couro desgastado,
se aquietou silencioso
sem mostrar suas provetas.
Porém um dia,
depois de havê-lo usado
e desusado,
depois
de declará-lo
inútil e anacrônico camelo,
quando em longos meses, sem protesto,
serviu-me de poltrona
e de almofada,
rebelou-se e se plantando
em minha porta
cresceu, moveu suas folhas
e seus ninhos,(…)
depois de havê-lo usado
e desusado,
depois
de declará-lo
inútil e anacrônico camelo,
quando em longos meses, sem protesto,
serviu-me de poltrona
e de almofada,
rebelou-se e se plantando
em minha porta
cresceu, moveu suas folhas
e seus ninhos,(…)
Dicionário, não és
tumba, sepulcro, caixão,
túmulo, mausoléu,
és senão preservação,
fogo escondido,
plantação de rubis,
perpetuação viva
da essência,
celeiro do idioma.
E é belo
recolher em tuas filas
a palavra
de estirpe,
a severa
e esquecida
sentença,
filha da Espanha,
endurecida
como grade de arado,
fixa no seu limite
de antiquada ferramenta,
preservada
com sua beleza exata
e sua dureza de medalha.
Ou a outra
palavra
que ali vimos perdida
entre linhas
e que de pronto
se fez saborosa e lisa na nossa boca
como uma amêndoa
ou terna como um figo.
tumba, sepulcro, caixão,
túmulo, mausoléu,
és senão preservação,
fogo escondido,
plantação de rubis,
perpetuação viva
da essência,
celeiro do idioma.
E é belo
recolher em tuas filas
a palavra
de estirpe,
a severa
e esquecida
sentença,
filha da Espanha,
endurecida
como grade de arado,
fixa no seu limite
de antiquada ferramenta,
preservada
com sua beleza exata
e sua dureza de medalha.
Ou a outra
palavra
que ali vimos perdida
entre linhas
e que de pronto
se fez saborosa e lisa na nossa boca
como uma amêndoa
ou terna como um figo.
Dicionário, uma mão
de tuas mil mãos, uma
de tuas mil esmeraldas,
uma
só
gota
de tuas vertentes virginais,
um grão
de
teus
magnânimos celeiros
no momento
justo
aos meus lábios conduz,
ao fio da minha pena,
ao meu tinteiro.
De tua espessa e sonora
profundidade de selva,
dá-me,
quando o necessite,
um só trinado, o luxo
de uma abelha,
um fragmento caído
de tua antiga madeira perfumada
por uma eternidade de jasmineiros,
uma
sílaba,
um tremor, um som,
uma semente:
de terra sou e com palavras canto.
de tuas mil mãos, uma
de tuas mil esmeraldas,
uma
só
gota
de tuas vertentes virginais,
um grão
de
teus
magnânimos celeiros
no momento
justo
aos meus lábios conduz,
ao fio da minha pena,
ao meu tinteiro.
De tua espessa e sonora
profundidade de selva,
dá-me,
quando o necessite,
um só trinado, o luxo
de uma abelha,
um fragmento caído
de tua antiga madeira perfumada
por uma eternidade de jasmineiros,
uma
sílaba,
um tremor, um som,
uma semente:
de terra sou e com palavras canto.
Margarida Moraes é formada em
Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Com mais de 20 anos de
experiência, corretora do nosso Curso de Redação Online (clique aqui para saber
mais) e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do
infoEnem, a professora é colunista de gramática do nosso portal. Seus textos
são publicados todos os domingos. Não perca!
Posted: 13 Mar 2016 08:42 AM PDT
https://www.infoenem.com.br
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