Posted: 30 Aug 2015 08:12
AM PDT
O artigo desta semana
abordará algumas questões de colocação pronominal, a pedido de meu amigo
Décio, violeiro, professor e escritor (conheci suas facetas nessa ordem e
cada uma foi uma agradável surpresa!)
Como apreciadores da música
caipira de raiz, ele e eu estamos habituados a ouvir a língua portuguesa
falada na sua variante mais distante da norma culta. Vejamos um trecho de uma
moda muito conhecida, gravada pela saudosa Inezita Barroso:
Com a marvada pinga é
que eu me atrapaio
Eu entro na venda e já
dou me taio
Pego no copo e dali num
saio
Ali memo eu bebo, ali
memo eu caio
Só pra carregá é que eu
do trabaio, oi lai
(…)
O marido me disse, ele me falô
Largue de bebê, peço por
favô
Prosa de home, nunca dei
valô
Bebo com sór quente pra
esfriá o calô
E bebo de noite pra fazê
suador, oi lai (…)
Nesse trecho aparecem
alguns pronomes que funcionam como complementos dos verbos.
A norma culta define, para
os pronomes oblíquos átonos (me, te, se, o(s), a(s), lhe(s),
nos, vos), três posições possíveis em relação ao verbo: próclise
(antes do verbo), mesóclise (“dentro” do verbo) e ênclise
(após o verbo) e, para entender essa relação, lembremos que a frase, em
português, pode ser construída na ordem direta [sujeito + verbo+ complemento
(OD/OI)+ adjunto adverbial] ou na ordem indireta, em que alteramos a posição
de alguns desses elementos.
Como a intenção aqui é
apenas dar as dicas (as regras um bom livro de Gramática trará em detalhes),
vamos objetivamente ao que se pode e o que não se pode fazer nos textos:
A ênclise
deve ser observada sempre no início das frases, ou seja, não se
inicia frase com pronome oblíquo. Aqui temos uma das grandes
diferenças de pronúncia entre a língua falada por aqui e a língua falada na
terra de Camões. Nós, brasileiros, pronunciamos os pronomes átonos “com
força”, o que nos permite começar as frases com eles (Me
empreste seu caderno.). Já os lusitanos falam quase sem pronunciar a vogal, o
que, aliás, produz o sotaque característico da terrinha, de modo que eles não
conseguem começar as frases como nós… sairia algo como “M’empreste seu
caderno” – muito difícil!
Como o idioma veio de lá,
as regras acompanharam… Dessa diferença tão marcante entre a regra e o uso, o
modernista Oswald de Andrade tirou assunto para poesia:
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom
branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
Oswald de Andrade ANDRADE, O. Obras
completas, Volumes 6-7. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
A mesóclise
é empregada em textos muito formais, mas muito mesmo! Ocorre apenas no
futuro do presente de indicativo e no futuro do pretérito do
indicativo. Por que só com eles? Bem, lembremos que esses tempos são
derivados. Na verdade, são a junção de um verbo no infinitivo + o
verbo Haver e para fazer a colocação pronominal, o pronome vai entre
os dois verbos (lembra que ‘meso’ significa ‘entre’, como em Mesopotâmia –
entre os rios).
Daí, em
“Entregarei a você os
livros”
substituindo ‘a você’ por
‘lhe’, teremos
Entregar-lhe-ei os livros. (entregar = infinitivo / (h)ei
= verbo haver na 1.ªp.sing. e entre os dois, o pronome lhe).
Mas podemos fugir dessa
forma um tanto esnobe, colocando um sujeito expresso. Isso nos permite usar a
próclise:
Eu lhe
entregarei os livros.
E como a mencionei, vamos à
próclise!
Existem regras para a
colocação do pronome antes do verbo. Na frase, deve haver a presença dos
chamados fatores de próclise – palavras que exercem atração,
‘puxam’ o pronome para antes do verbo (que podem ser, entre outras, uma
palavra negativa, um advérbio, um pronome relativo…). Veja as frases abaixo:
Ninguém me deu o recado.
Amanhã a encontrarei na aula.
Eu sei que
me entenderam.
No caso do português do
Brasil, é considerado mais grave não levar em consideração um fator de
próclise do que empregar a próclise mesmo que não haja a tal partícula
atrativa.
Voltando à Moda da Pinga, é
o que acontece com os pronomes destacados: não há nenhum fator de próclise,
mas a ‘musicalidade’ do português do Brasil nos leva a colocar os pronomes
antes do verbo. Tudo o que mencionei vale também para as locuções verbais
(verbo auxiliar + verbo no infinitivo ou no gerúndio) e para os tempos
compostos (verbo auxiliar + verbo no particípio). Nessas combinações, evite
colocar o pronome entre os verbos. Ah, e particípio não aceita ênclise!
Assim, na prática, as
regras se resumem a:
- Não inicie
frase com pronome oblíquo; e
- Coloque o
pronome antes do verbo (ou da locução)
É isso!
Até a próxima!
Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo
(USP), onde também concluiu seu mestrado. Mais de 20 anos de experiência,
corretora do nosso sistema de correção de redação e responsável pela
resolução das apostila de Linguagens e Códigos do infoenem, a professora é
colunista de gramática do nosso portal . Seus textos são publicados todos os
domingos. Não perca!
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