Luís Fernando Verissimo escreveu um
poema, “Capitulação”, em que apresenta uma crítica bem-humorada ao emprego de
termos estrangeiros no cotidiano:
Delivery
Até pra telepizza
É um exagero.
Há quem negue?
Um povo com vergonha
Da própria língua
Já está entregue.
Até pra telepizza
É um exagero.
Há quem negue?
Um povo com vergonha
Da própria língua
Já está entregue.
Os dois, escritor e cartunista, fazem
referência a um fenômeno linguístico denominado estrangeirismo, com
um tom condenatório: o primeiro, mencionando a submissão cultural (“Um povo com
vergonha/ Da própria língua/ Já está entregue” – ou seja, já capitulou, já se
rendeu a outro povo, a outra cultura, daí o títuloCapitulação). Já o
segundo, mostrando que a capitulação é definitiva, apresenta um personagem que
sequer conhece a palavra da língua portuguesa, conhece apenas o anglicismo
(estrangeirismo de origem inglesa).
Antes de tomar partido, contra ou a
favor do emprego de palavras estrangeiras, vamos analisar as diferentes
situações de uso e os caminhos tomados pelas palavras. Sabemos que o idioma é
um ‘organismo vivo’, que sofre alterações causadas por diferentes fatores,
chamadas de variações linguísticas.
Por causa dessas variações, ao longo do tempo não raro um idioma acaba tendo
uma feição diferente de sua versão ‘arcaica’. É o que podemos verificar quando
estudamos, em Literatura, textos do Trovadorismo e os comparamos com textos do
Realismo, por exemplo. Chegam a parecer escritos em línguas diferentes, mas é
apenas uma versão arcaica da Língua Portuguesa (proto-português ou
galego-português) em comparação com a outra mais modernizada. E isso ocorre,
como dissemos, porque o idioma é ‘vivo’ e vai sendo modificado pelos seus
usuários.
E o que os estrangeirismos têm a ver
com isso? Bem, em algumas situações, pode ser que uma língua não contenha a
palavra exata para determinado conceito de outra cultura (algo que só existia
na outra cultura ou uma inovação ou invenção, cujo nome foi criado na língua do
seu criador). Dessa forma, quando importamos o conceito, importamos a palavra
junto. Nesse primeiro momento, a palavra é considerada um empréstimo
linguístico e pode ser empregada (por falta de uma versão nacional) na
língua original e deve ser escrita entre aspas (ou em itálico, se estivermos
digitando). Nesse grupo estão, por exemplo, leasing (operação
financeira), réveillon, cappuccino. Há
algumas que continuam sendo empréstimo, mas, de tão usadas, já foram
incorporadas ao nosso vocabulário sem aspas mesmo, como jeans, show ou pizza.
O estágio seguinte de ingresso das
palavras estrangeiras é o aportuguesamento: já consideramos a
palavra essencial para denominar determinado conceito, mas damos a ela uma
versão nacional (lembra a antropofagia cultural do Modernismo – pegamos o
estrangeiro e digerimos, devolvendo uma versão com a nossa ‘cara’). Fizemos
isso com futebol (football), abajur (abat-jour), conhaque (cognac).
O problema neste processo linguístico
aparece quando ocorre o que é criticado tanto no poema quanto na tirinha: o uso
indiscriminado de termos estrangeiros, quando a língua materna apresenta sua
própria versão para aqueles conceitos. Nesse caso, o estrangeirismo passa
a ser um vício de linguagem. Eis aqui alguns exemplos de palavras
estrangeiras que têm tradução e que, por isso, não devem ser empregadas: performance (desempenho), shampoo (xampu), coffee-break (intervalo
do café, ou só intervalo). Ou, pior ainda, quando há uma mescla dos dois
idiomas como em startar (to start, começar em inglês + -ar,
sufixo formador de verbos em português).
Novamente, correndo o risco de me
tornar repetitiva, vou indicar o uso dos dicionários como solução para evitar
incorrer no vício de linguagem. Use o dicionário sem moderação, não há
contraindicações e o efeito colateral é o aumento de sua bagagem lexical!
Até a próxima!
Margarida Moraes é formada em
Letras pela Universidade de São Paulo (USP), onde também concluiu seu mestrado.
Mais de 20 anos de experiência, corretora do nosso sistema de correção de
redação e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do
infoEnem, a professora é colunista de gramática do nosso portal. Seus textos
são publicados todos os domingos. Não perca!
Postado
em: https://www.infoenem.com.br
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