Posted: 14 May 2015 01:30 PM PDT
A produção de textos
no contexto de uma avaliação classificatória como o Enem, infelizmente, não
condiz com o que os documentos oficiais da educação brasileira afirmam em
relação à escrita, algo muito contraditório, já que ambos são frutos do
trabalho do mesmo ministério, o da Educação. Desde os anos 1998, quando os
Parâmetros Curriculares Nacionais foram publicados e colocaram os gêneros
(Gêneros do Discurso na concepção de Bakhtin e seu Círculo1) como
objetos de estudo as práticas situadas de leitura e escrita, a dialogia e a
interlocução ganharam grande importância em uma perspectiva interacional do
ensino da língua e da linguagem.
Em práticas situadas
de escrita, o aluno sabe quem ele é como enunciador, quem é o seu interlocutor,
como ele deve dirigir-se a esse interlocutor, que gênero é mais adequado para
determinado objetivo e em que contexto ele deverá escrever. E nessa produção
textual, as etapas de planejamento, organização, escrita e reescrita devem
estar presentes a fim de se produzir um texto autônomo, ou seja, um texto que
“funcione” caso seja transposto para a realidade.
Práticas situadas de
escrita têm como propósito fazer com que os alunos pensem e reflitam sobre o
que e como estão escrevendo e lendo e objetivam combater o ensino pautado no
treinamento de modelos prontos, como é o caso do ensino da dissertação-argumentativa na
escola (em uma parte considerável das instituições de ensino) e para exames,
concursos e vestibulares, como o Enem.
A
dissertação-argumentativa, como já dissemos inúmeras vezes, é um gênero
tipicamente escolar que simula uma situação que não é próxima do real, pois tem
como único objetivo avaliar, advindo de uma concepção de ensino que coloca a
escrita como comunicação e expressão, a partir da década de 60, que poderá ser
alcançada por meio do treino quase exaustivo de uma técnica na qual a
criatividade (um critério avaliativo muito subjetivo, já que o que é criativo
para um não necessariamente é para o outro) é avaliada.

Assim, o Enem ainda
avalia, em sua proposta de redação, uma redação escolar e não uma produção de
texto situada e contextualizada, contrariando documentos oficiais que pregam o
contrário.
A produção e a
recepção de gêneros, por meio de práticas situadas de escrita e de leitura,
permitem expor o aluno a uma diversidade de temas e gêneros em práticas não só
de leitura e escrita, mas também de produção e recepção oral a fim de mediar a
construção de textos singulares e não pautados em modelos praticamente estáveis
(diferentes dos gêneros que são, apenas, relativamente estáveis) como é o caso
da dissertação-argumentativa.
Obviamente que, caso
o Enem, um dia, mude o perfil de sua prova de redação para a produção de
gênero, será uma mudança grande e até radical que deverá ser feita com muito
cuidado, planejamento e atenção, já que tudo mudará, desde a concepção teórica
e metodológica do exame, passando pelas propostas e chegando à correção, mais
especificamente, aos corretores e à grade de correção propriamente dita. A
recepção por parte dos candidatos também deverá ser considerada, já que será
praticamente um choque imenso, em proporções nacionais.
Impossível não é;
seria um grande desafio, mas um desafio não só para o Enem em si, mas para todo
o ensino de língua e linguagem no Brasil.
1Caso os professores de Língua Portuguesa queiram ler os textos originais do téorico e seu grupo acerca dos Gêneros do Discurso, sugerimos a leitura de:
BAKHTIN, Mikhail. Os
gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal, 4a. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997 [1979].
BAKHTIN, Mikhail.
Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucite, 1992a [1929].
*CAMILA
DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em
Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente
trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua
Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em em importantes
universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções
de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da
Educação (MEC).
Postado em: https://www.infoenem.com.br
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