09/11/2017 Por Camila Dalla Pozza
No último dia 05
de novembro foram aplicadas as primeiras provas do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) de 2017, já que a realização do exame foi dividida em dois domingos.
No primeiro dia, os participantes tiveram de responder questões de Ciências
Humanas, Linguagens e fazer a prova de redação que, novamente, exigiu a
produção de uma dissertação-argumentativa.
O tema da prova de
redação do Enem 2017 foi “Desafios para a formação
educacional de surdos no Brasil” e pegou muitas pessoas de
surpresa, tanto participantes quanto a sociedade em geral, inclusive professores
de Português e de Redação.
Tal surpresa
gerou, como sempre em relação ao Enem, polêmica na mídia e nas redes sociais.
Muitos opinaram que não se trata de um tema adequado para participantes que
estão saindo do Ensino Médio por se tratar de algo muito técnico e específico;
outros comemoraram o tema por considerarem que este é de extrema relevância e
importância, já que os surdos são representantes de uma minoria na sociedade
brasileira que deve ser contemplada em seus direitos civis garantidos pela legislação.
O Enem manteve o
padrão de abordar no tema da sua prova de redação uma questão social que requer
uma discussão de políticas públicas nacionais, principalmente se pensarmos na
exigência da quinta competência da grade de correção: elaborar proposta de
intervenção social que respeite os Direitos Humanos.
Neste contexto, a
coletânea de textos motivadores da prova de redação do Enem 2017 apresenta
quatro textos, como podemos observar na imagem a seguir:
O primeiro texto motivador é da esfera jurídica,
pois é um trecho da Lei Brasileira de Inclusão (lei nº 13.146), mais
especificamente o quarto capítulo sobre o direito à educação:
“CAPÍTULO IV
DO DIREITO À EDUCAÇÃO
Art. 27. A educação constitui direito da
pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os
níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo
desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais,
intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades
de aprendizagem.
Parágrafo único. É dever do Estado, da
família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à
pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência,
negligência e discriminação.
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar,
criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: […]
IV – oferta de educação bilíngue, em Libras como
primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda
língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas; […]
XII – oferta de ensino da Libras, do Sistema
Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar
habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação;
O 27º artigo da Lei Brasileira de Inclusão assegura
a educação formal, em todos os níveis, às pessoas com deficiência, de maneira
inclusiva, ou seja, desde o ensino infantil até a pós-graduação, visando que a
pessoa possa alcançar o máximo de desenvolvimento possível. Além disso, isto
não é somente dever do Estado, mas também da família, da sociedade e das
escolas, resguardando a pessoa com deficiência de qualquer violência,
negligência ou discriminação.
Já o 28º artigo é mais específico em seus incisos,
pois os apresentados tratam, exclusivamente, da Libras, a Língua Brasileira de
Sinais. Esta, como primeira língua de uma pessoa surda, deve ser ofertada nas
escolas, juntamente com o ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa.
Isso significa que o ensino para pessoas surdas deve ser bilíngue, ensinando-as
Libras e o Português, em escolas inclusivas.
O segundo texto motivador, por sua vez, é um
gráfico do Inep que mostra o número de matrículas de surdos na educação básica
brasileira e na educação especial. O gráfico mostra que houve, ao longo dos
anos (2011 a 2016) um decréscimo no número de matrículas tanto nas classes
comuns, com surdos incluídos, quanto nas classes especiais e/ou escolas
exclusivas.
Estes dados são de extrema importância, mas trazer
o gráfico desta maneira, sem nenhum contexto ou explicação forçou, de certo
modo, o participante a construir hipóteses e inferências sobre o porquê destes
decréscimos. O candidato deveria ter como conhecimento prévio como é feita a
inclusão das pessoas com deficiência nas escolas do Brasil: aos trancos e
barrancos. Mais especificamente em relação aos surdos, sabe-se que a Libras não
é ofertada em todas as escolas, apenas em algumas exceções, assim como também
não há intérpretes para alunos surdos. Portanto, a falta da Libras no ensino
brasileira é um fator decisivo neste cenário.
O mesmo pode ser dito a respeito do terceiro texto
motivador, mas em relação a esfera do mercado de trabalho. A campanha questiona
se há espaço numa empresa para um funcionário pós-graduado em marketing, mas
surdo.
Deste modo, tanto o segundo quanto o terceiro texto
motivador criticam a falta de investimento das escolas (públicas e privadas) e
das empresas na oferta da Libras como língua, já que ela é a segunda língua
oficial do Brasil, como aponta o quinto texto motivador.
Desta maneira, após analisarmos a coletânea de
textos motivadores da prova de redação do Enem 2017, podemos concluir que os
desafios para a formação educacional de surdos no Brasil giram em torno da
oferta de Libras nas escolas, públicas e privadas, em todos os níveis, da
educação infantil a pós-graduação e nas empresas, isto é, no mercado de
trabalho.
A coletânea de textos motivadores mostra que, na
legislação, existe esta garantia, mas também mostra, por meio do gráfico e da
campanha, que na prática a Lei Brasileira de Inclusão não funciona tão bem como
deveria.
O candidato deveria inferir que a falta de
investimento na Libras como língua, em escolas e nas empresas, tem como
consequência a exclusão dos surdos como cidadãos empoderados, já que língua é
representatividade. Já que a Libras é a segunda língua oficial do Brasil, por
que ela não é ensinada a todos os alunos das escolas? Por que os professores
não aprendem Libras nas universidades, nos cursos de licenciatura?
A proposta de intervenção social deveria ser
construída a partir deste ponto, a partir do que fazer frente a falta de
investimento na Libras a fim de incluir, de verdade, os surdos nas escolas e no
mercado de trabalho.
A dificuldade desta prova de redação era ter um
conhecimento prévio adequado do assunto, já que a coletânea deixou um pouco a
desejar. Como inclusão não é algo muito debatido nas escolas, até porque poucas
as fazem de verdade, infelizmente foi um tema que pode ocasionar vários cortes,
mas que teve como relevante função colocar justamente em discussão a inclusão
de surdos e dos demais deficientes brasileiros que merecem todo respeito como
cidadãos e seres humanos.
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em
Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente
trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua
Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes
universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções
de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da
Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso
portal. Seus textos são publicados todas as quintas!
Postado em:
https://www.infoenem.com.br/analise-da-proposta-de-redacao-do-enem-2017/
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