Os espelhos das
redações corrigidas da edição do ano de 2015 do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM) foram publicados pelo Ministério da Educação no último dia 13 de
junho, depois de mais de três meses de atraso, já que tal divulgação fora
prometida pelo Governo Federal para o início deste ano.
Com isso, a
imprensa teve acesso a dissertações-argumentativas que obtiveram a nota
máximo na prova de redação do exame, 1.000 pontos e é uma destas redações que
vamos analisar e comentar no texto de hoje.
A dissertação-argumentativa
que analisamos é a da candidata Amanda Carvalho Maia Castro, publicada na
seção de educação do portal na internet G1:
A violência contra
a mulher no Brasil tem apresentado aumentos significativos nas últimas
décadas. De acordo com o Mapa da Violência de 2012, o número de mortes por
essa causa aumentou em 230% no período de 1980 a 2010. Além da física, o
balanço de 2014 relatou cerca de 48% de outros tipos de violência contra a
mulher, dentre esses a psicológica. Nesse âmbito, pode-se analisar que essa
problemática persiste por ter raízes históricas e ideológicas.
O Brasil ainda não
conseguiu se desprender das amarras da sociedade patriarcal. Isso se dá
porque, ainda no século XXI, existe uma espécie de determinismo biológico em
relação às mulheres. Contrariando a célebre frase de Simone de Beavouir “Não
se nasce mulher, torna-se mulher”, a cultura brasileira, em grande parte,
prega que o sexo feminino tem a função social de se submeter ao masculino,
independentemente de seu convívio social, capaz de construir um ser como
mulher livre. Dessa forma, os comportamentos violentos contra as mulheres são
naturalizados, pois estavam dentro da construção social advinda da ditadura
do patriarcado. Consequentemente, a punição para este tipo de agressão é
dificultada pelos traços culturais existentes, e, assim, a liberdade para o
ato é aumentada.
Além disso, já o
estigma do machismo na sociedade brasileira. Isso ocorre porque a ideologia
da superioridade do gênero masculino em detrimento do feminino reflete no
cotidiano dos brasileiros. Nesse viés, as mulheres são objetificadas e vistas
apenas como fonte de prazer para o homem, e são ensinadas desde cedo a se
submeterem aos mesmos e a serem recatadas. Dessa maneira, constrói-se uma
cultura do medo, na qual o sexo feminino tem medo de se expressar por estar
sob a constante ameaça de sofrer violência física ou psicológica de seu progenitor
ou companheiro. Por conseguinte, o número de casos de violência contra a
mulher reportados às autoridades é baixíssimo, inclusive os de reincidência.
Pode-se perceber,
portanto, que as raízes históricas e ideológicas brasileiras dificultam a
erradicação da violência contra a mulher no país. Para que essa erradicação
seja possível, é necessário que as mídias deixem de utilizar sua capacidade
de propagação de informação para promover a objetificação da mulher e passe a
usá-la para difundir campanhas governamentais para a denúncia de agressão
contra o sexo feminino. Ademais, é preciso que o Poder Legislativo crie um
projeto de lei para aumentar a punição de agressores, para que seja possível
diminuir a reincidência. Quem sabe, assim, o fim da violência contra a mulher
deixe de ser uma utopia para o Brasil.
Na introdução deste
texto, podemos ver um claro exemplo sobre como usar adequadamente a coletânea
de textos motivadores das propostas de redação do ENEM, já que este afirma
não permitir a cópia parcial e/ou integral dos textos que compõem a
coletânea. A candidata, a fim de embasar a sua afirmação de que houve um
aumento das violências (física, sexual, psicológica, financeira etc) contra
as mulheres, cita dados estatísticos presentes na coletânea da proposta de
redação articulando-os com as suas palavras.
Já a tese de Amanda
é que tal violência tem raízes históricas e ideológicas, ou seja, ela se
refere, talvez sem saber, à cultura do estupro. Na verdade, somos envoltos em
ideologias, pois a neutralidade não existe; afirmar que é neutro em política,
por exemplo, já que é uma posição ideológica. Nesta questão específica, as
ideologias relacionadas à violência contra a mulher são, dentre elas, o
machismo, o patriarcalismo e a misoginia (ódio ou aversão às mulheres).
E é citando a
sociedade patriarcal que a candidata inicia o desenvolvimento da sua redação,
juntamente com o acréscimo à discussão de termos biológicos e filosóficos,
utilizando, inclusive, a frase de Simone de Beavouir por sua vez usada no
caderno de questões do ENEM 2015. Assim, Amanda pontua a segunda competência.
A candidata, ao
fazer isso, contextualiza a violência contra as mulheres e a define como
naturalizada justamente por essas questões culturais e sociais que colocam a
mulher como um ser inferior ao homem, o que liga ao machismo no terceiro
parágrafo da sua dissertação-argumentativa, argumentando que a cultura
machismo, além de ter a mulher como inferior, a objetifica como produto
sexual que o deve servir no sexo, na casa, no relacionamento etc.
Segundo Amanda, e
com toda razão, esta atmosfera tem como consequência uma cultura do medo, já
que nós, mulheres, estamos expostas às violências dentro e fora de casa e
este também é o motivo, de acordo com a candidata, do baixo número de
denúncias.
Deste modo, no
desenvolvimento, esta redação realmente desenvolveu, de maneira embasada, as
questões históricas e ideológicas mencionadas na introdução, explicando o que
é, como se dá e quais são as consequências da cultura do estupro no Brasil.
Para Amanda, tal
cultura dificulta a erradicação da violência contra a mulher na sociedade
brasileira, mas mesmo assim a candidata propõe uma intervenção social,
pontuando a quinta competência. Sua proposta é que a mídia deixe de usar seu
poder de propagação de informação para promover a objetificação da mulher
(aqui a candidata não cita, mas podemos nos lembrar das propagandas, papéis
em novelas etc) e passe a difundir campanhas governamentais que incentivem as
denúncias de casos de violência e que o poder Legislativo crie leis mais
severas em relação a punição dos agressores a fim de diminuir a reincidência.
Esperamos que esta
redação nota 1.000 sirva de inspiração para os candidatos ao ENEM 2016.
Até a próxima
semana!
Após ler essa
análise da professora Camila, que tal se inscrever no Curso
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*CAMILA DALLA POZZA
PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo
funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação.
Foi corretora de redação em importantes universidades públicas. Além disso,
também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos,
inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
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Posted: 23 Jun
2016 08:06 AM PDT
https://www.infoenem.com.br
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