22/04/2018
Por Margarida Moraes
Quando estudamos estilística, e mais
especificamente as figuras de linguagem, encontramos, entre as
figuras de construção, a chamada anáfora.
A definição de anáfora, de modo bem simples,
aparece nas obras de referência como sendo a repetição “de uma ou mais palavras
no início de duas ou mais frases ou de dois ou mais versos sucessivos de modo a
dar ênfase a termo repetido” 1. É o que verificamos, por exemplo, na
música “O que será – À flor da pele”, de Chico Buarque:
“O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicarO que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita (…)
Percebemos, nos três conjuntos de versos
destacados, a repetição da estrutura frasal e das palavras iniciais. Essa
canção tem outra versão, “À flor da terra”, que gira em trono de outra
temática, mas segue exatamente a mesma estrutura:
“O que será, que será?
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças, anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
E gritam nos mercados que com certeza
Está na natureza(…)
Esse procedimento pode aparecer também na prosa,
como percebemos em autores como Padre Vieira. Como o Barroco, escola literária do séc. XVII,
caracterizava-se pelo rebuscamento da forma, algumas figuras eram muito
apropriadas para tornar essa característica uma marca forte no texto. Mas não
só essa escola lançou mão das repetições como forma de enfatizar ideias. Rui
Barbosa, no início do séc. XX, nos seus textos, também o fazia, como neste
trecho de discurso que se mostra incrivelmente atual:
“Mentira de tudo, em tudo e por tudo. (…) e direis que hoje mente ao Brasil inteiro. Mentira nos protestos. Mentira nas promessas. Mentira nos programas. Mentira nos projetos. Mentira nos progressos. Mentira nas reformas. Mentira nas convicções. Mentira nas transmutações. Mentira nas soluções. Mentira nos homens, nos atos e nas coisas. Mentira no rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Mentira nos partidos, nas coligações e nos blocos. (…) A Mentira geral. O monopólio da Mentira (…)(discurso de campanha presidencial na Associação Comercial do Rio de Janeiro, 1919)
A anáfora tem alguns ‘parentes’, também empregados
para obter efeito de estilo nos textos: a epanolespe (repetição no meio
da frase), a epístrofe (no fim), a simplose (no início e no fim)
e a anadiplose (no fim de uma oração e início da seguinte). De fato, são
muitos nomes, mas todos os procedimentos têm um mesmo fim: enfatizar ideias.
Esses procedimentos aparentados com a anáfora estão
dentro do âmbito da Estilística, porém encontramos o termo também em outra área
de estudo, a coesão!
Quando estudamos coesão, encontramos anáfora
como sendo o nome dado ao processo sintático por meio do qual um termo faz
referência a uma informação anteriormente mencionada. Esse termo pode ser
chamado de termo anafórico ou elemento anafórico e pode ser:
- Pronome:
João não está viajando. Encontrei-o ontem na escola. - Substantivo:
A menina ganhou um cão. O animal a ajudou a vencer a depressão. - Advérbio:
Estive no evento e lá encontrei muitos companheiros.
O importante, nesse caso, é que contrariamente à ideia
inicial de repetição (da Estilística), os anafóricos da coesão visam evitar a
repetição de um termo, retomando-o de outra maneira.
É isso!
Até a próxima semana!
Margarida Moraes é formada em Letras pela
Universidade de São Paulo (USP), onde também concluiu seu mestrado.
Postado em:
https://www.infoenem.com.br/anafora-mera-questao-de-estilistica/
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