Posted: 12 Feb 2015 10:30 AM PST
Na coluna do InfoEnem sobre a redação
do Enem de hoje trataremos de um tema que, infelizmente, tem ocupado as páginas
policiais de jornais e portais de notícias na internet: os trotes
universitários violentos. Com as matrículas nas universidades federais, estaduais
e particulares no início do ano, este tema volta à tona e torna-se,
anualmente,relevante, mas neste ano esta relevância aumentou, já que está sendo
realizada a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Trote Universitário
instalada na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo.
A CPI do Trote Universitário foi
instaurada no dia 17 de dezembro de 2014 pelos deputados estaduais de São Paulo
com o intuito de apurar violações aos direitos humanos em trotes promovidos por
alunos veteranos de universidades do estado. Desde então, autoridades
universitárias, como os reitores das universidades estaduais paulistas (USP,
UNICAMP e UNESP) e diretores das faculdades e institutos destas respectivas
instituições, assim como alunos estão sendo ouvidos em depoimentos. Dados do
serviço do disk trote da USP foram requeridos pelos deputados a fim de serem
investigadas denúncias.
A história dos trotes começa na Idade
Média, quando os calouros eram colocados nos vestíbulos (daí a origem da
palavra “vestibular”) que antecediam a sala de aula. Neste cômodo, eles tinham
os cabelos raspados por medida profilática 1, pois havia a
possibilidade de propagação de doenças, sobretudo da peste. Pintar os calouros,
fazer pedágios nos cruzamentos das cidades para angariar dinheiro para festas e
cortar os cabelos eram etapas conhecidas pelos alunos, mas recentemente
denúncias de trotes violentos, humilhantes e vexatórios têm sido cada vez mais
comuns. É comum, neste época do ano, lermos notícias de casos de queimaduras
com ácidos, agressões físicas que acabam em lesões e humilhações com cunho
racista e sexual.
No caso da CPI instalada no fim de
2014, o foco está nas faculdades de medicina das universidades públicas e
privadas de São Paulo, pois são delas o maior volume de denúncias e as mulheres
são as depoentes em maior quantidade, relatando casos de assédio sexual e de
estupro. Calouras relatam que em festas promovidas por veteranos foram forçadas
a consumir, em grandes quantidades, bebidas alcoólicas e foram assediadas e
estupradas; outras narram tentativas frustradas de violência sexual e afirmam
terem sido caladas por coordenadores de curso e professores.
Estes fatos deixam de ser um ritual
tradicional e passam a configurar crime. Segundo Antônio Ribeiro de Almeida
Júnior, professor do departamento de Economia, Administração e Sociologia da
Escola Superior de Agricultura (Esalq/USP), “não tem nada a ver com tradição; a
questão do trote é relação de poder. Um grupo político disputa o controle da
situação. O menino que vai para a rua pedir dinheiro [nas brincadeiras de
pedágio] é o soldado raso em uma hierarquia que tem general”. O especialista é
autor de vários livros e estuda o tema desde 2001. “Ao longo do ano vejo o
aumento da violência, e não da consciência.2”
O professor esteve presente na CPI no
último dia 21 de janeiro e afirmou que “há um tipo de personalidade masculina,
que bebe, que arruma briga, que maltrata mulheres”. Antonio ainda defendeu o
afastamento da cultura universitária deste tipo de problema.
A UNICAMP (Universidade Estadual de
Campinas), por exemplo, já pune em seu regimento interno qualquer tipo de
trote, inclusive a pintura corporal e o corte de cabelo, pois as considera
práticas constrangedoras; o pedágio também é proibido, já que é uma atividade
que coloca em risco os estudantes. De acordo com a instituição, o trote é
proibido dentro e fora dos campus e os alunos envolvidos estão sujeitos a
sanções acadêmicas3.
Além do trote, outro problema descrito
pelas vítimas é a atitude das autoridades acadêmicas que, segundo elas, não as
apoia em nenhum momento. Apesar de existirem queixas formais, muitas mulheres
relatam que não receberam nenhum tipo de ajuda ou respaldo dos coordenadores de
curso e dos reitores. O caso do calouro de medicina da USP morto em um trote em
1999, Edsion Hsueh, afogado em uma piscina, confirma a impunidade, já que seus
algozes ficaram presos por um tempo, mas já sairiam, se formaram e exercem a
medicina normalmente.
Conclui-se que o que vemos hoje é uma
cultura do trote machista, violento e humilhante nas mais renomadas
universidades paulistas para as quais é preciso estudar muito arduamente para
ser aprovado em seus vestibulares, principalmente em se tratando do curso de
medicina. Assim, temos a confirmação de que, no Brasil, existe a cultura do
estupro em todos os segmentos da sociedade.
Tendo a prova de redação do Enem em
mente, podemos relacionar o tema dos trotes ao tema da violência contra a
mulher, ao machismo, às relações de poder, a questão da relevância de fazer
parte de um grupo etc. Além disso, pensando na proposta de intervenção social, o
candidato deve elaborar soluções viáveis para esta problemática tão grave, como
punições acadêmicas (expulsão, por exemplo, dos autores dos trotes) e criminais
(detenção, por exemplo), campanhas de conscientização, fiscalização por parte
das universidades, incentivo às denúncias e amplo apoio às vítimas em termos de
segurança e bem-estar.
1.
Profilática: 1 – relativo a profilaxia; 2 – que serve para previnir
doenças, preventiva. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
2.
Disponível em http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/03/trote-universitario-nao-e-tradicao-e-relacao-de-poder-diz-especialista.html
(adaptado).
3.
Disponível em http://www.sae.unicamp.br/blog/calouros/.
*CAMILA DALLA POZZA
PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo
funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi
corretora de redação em em importantes universidades públicas. Além disso,
também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos,
inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
Fonte: Infoenem
http://www.infoenem.com.br
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