Posted: 04 Jun 2015 10:21
AM PDT
No último dia 21 de maio, o
portal G1 publicou espelhos de dez redações que obtiveram nota
máxima na edição do ano de 2014 do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) cujo tema da proposta de redação foi “Publicidade Infantil em Questão no Brasil”. No texto de
hoje, iremos analisar um desses textos a fim de gerar uma reflexão acerca do
que a banca elaboradora e corretora espera de um candidato ideal.
Primeiramente, a fim de
situar os nossos leitores, gostaríamos de resumir o que a coletânea de textos
motivadores dessa proposta de redação do Enem traz aos candidatos.
O segundo texto
da coletânea de textos motivadores, por sua vez, é um texto multimodal, já que
trata-se de um mapa mundial que mostra como alguns países lidam com a questão
da publicidade voltada ao público infantil. Por meio de sua leitura e análise,
os candidatos tomaram ciência de quais países regulamentam, proíbem (total ou
parcialmente) e liberam tais propagandas e como essas ações são feitas.
Já o terceiro e
último texto da coletânea de textos motivadores é uma citação adaptada
de dois autores de um livro que trata sobre a questão do marketing2
infantil. Segundo a citação, a criança deve ser preparada, desde pequena, para
receber mensagens do mundo exterior a fim de entender o que está por trás dessa
mensagem, ou seja, o que está nas entrelinhas para que, no futuro, ela seja uma
consumidora reflexiva e consciente de suas compras.
A redação que iremos analisar
é de autoria de Antônio Ivan Araújo Monteiro Jr., residente do
estado do Ceará. A seguir, o texto na íntegra:
A publicidade infantil
movimenta bilhões de dólares e é responsável por considerável aumento no número
de vendas de produtos e serviços direcionados às crianças. No Brasil, o debate
sobre a publicidade infantil representa uma questão que envolve interesses
diversos. Nesse contexto, o governo deve regulamentar a veiculação e o conteúdo
de campanhas publicitárias voltadas às crianças, pois, do contrário, elas podem
ser prejudicadas em sua formação, com prejuízos físicos, psicológicos e
emocionais.
Em primeiro lugar, nota-se
que as propagandas voltadas ao público mais jovem podem influir nos hábitos
alimentares, podendo alterar, consequentemente, o desenvolvimento físico e a
saúde das crianças. Os brindes que acompanham as refeições infantis ofertados
pelas grandes redes de lanchonetes, por exemplo, aumentam o consumo de
alimentos muito calóricos e prejudiciais à saúde pelas crianças, interessadas
nos prêmios. Esse aumento da ingestão de alimentos pouco saudáveis pode acarretar
o surgimento precoce de doenças como a obesidade.
Em segundo lugar, observa-se
que a publicidade infantil é um estímulo ao consumismo desde a mais tenra
idade. O consumo de brinquedos e aparelhos eletrônicos modifica os hábitos
comportamentais de muitas crianças que, para conseguir acompanhar as novas
brincadeiras dos colegas, pedem presentes cada vez mais caros aos pais. Quando
esses não podem compra-los, as crianças podem ser vítimas de piadas maldosas
por parte dos outros, podendo também ser excluídas de determinados círculos de
amizade, o que prejudica o desenvolvimento emocional e psicológico dela.
Em decorrência disso, cabe ao
Governo Federal e ao terceiro setor a tarefa de reverter esse quadro. O
terceiro setor – composto por associações que buscam se organizar para
conseguir melhorias na sociedade – deve conscientizar, por meio de palestras e
grupos de discussão, os pais e os familiares das crianças para que discutam com
elas a respeito do consumismo e dos males disso. Por fim, o Estado deve regular
os conteúdos veiculados nas campanhas publicitárias, para que essas não tentem
convencer pessoas que ainda não têm o senso crítico desenvolvido. Além disso,
ele deve multar as empresas publicitárias que não respeitarem suas
determinações. Com esses atos, a publicidade infantil deixará de ser tão
prejudicial e as crianças brasileiras poderão crescer e se desenvolver de forma
mais saudável.
Trecho de redação de
Antônio Ivan Araújo. (Foto: Reprodução/G1)
Confira agora uma análise parágrafo a parágrafo
Iniciaremos a análise pela introdução.
O autor inicia o seu texto situando a publicidade infantil em termos econômicos
mostrando que este tipo de propaganda movimenta milhões de dólares em todo o
mundo. Porém, como o tema é a publicidade infantil no Brasil, essa
especificação vem logo em seguida juntamente com a tese de que, em nosso país,
essa discussão deve levar em consideração vários aspectos e que o governo deve
regulamentar esse mecanismo, pois, ao contrário, pode haver prejuízo na
formação das crianças em relação a sua saúde física e emocional. Assim, podemos
perceber que o auto apresenta o tema e o seu ponto de vista ao leitor e já dá
uma dica do que será a sua proposta de intervenção social, ou seja, a
regulamentação por parte do governo.
Com o intuito de conectar a
introdução ao primeiro parágrafo do desenvolvimento, o autor faz uso de um recurso
conectivo para também referir-se à saúde física já citada
anteriormente, fazendo alusão aos brindes que acompanham os lanches de
restaurantes fast food (não é preciso dizer o nome da mais famosa rede
desse tipo). Exemplificando como a publicidade infantil pode influenciar na
questão da obesidade infantil, o autor embasa seu argumento e ainda mostra que
leu a coletânea de textos motivadores cujo primeiro texto menciona brindes
desse tipo. Problemas de saúde, deste modo, são uma das consequências da
publicidade infantil apelativa por meio de brinquedos que acompanham comidas
que não são saudáveis.
Atento à paragrafação, o
autor faz uma segunda relação entre os parágrafos do desenvolvimento ao iniciar
o terceiro parágrafo com “em segundo lugar”, dando sequência
às suas estratégias argumentativas citando o aumento do consumismo oriundo
desse tipo de propaganda, mostrando que foi além do que o terceiro texto
motivador abordou. O argumento do autor é que as crianças querem acompanhar
seus amigos nas brincadeiras e, por isso, pedem aos pais os brinquedos que
conhecem pelas peças publicitárias e, se elas não tiverem tais brinquedos,
podem virar motivo de gozação, o que acarretaria em danos psicológicos, como já
fora adiantado na introdução.
Nesse parágrafo específico,
há um pequeno desvio de acentuação, o que não prejudica em hipótese alguma a
coesão e a fluência do texto e, por isso, assim mesmo, a nota dessa redação foi
a máxima.
O quarto parágrafo
aborda, como já demonstrado pelo seu início, que em decorrência dessa problemática,
o Governo Federal e o terceiro setor – definido pelo autor a fim de que seu
leitor tome conhecimento – devem reverter esse quadro por meio da
regulamentação e da punição através da aplicação de multas e da formação de
consciência em palestras e grupos de discussão, respectivamente.
Escolhemos analisar essa
redação por se tratar de uma dissertação-argumentativa que atende a todas as
competências de uma maneira objetiva e clara, com argumentos e estratégias
argumentativas eficientes e simples. Assim, podemos afirmar que a simplicidade
pode ser eficaz a fim de garantir um bom desempenho na redação do Enem ou de
qualquer outra prova de redação e escrita de qualquer texto; ou seja, não é um
bicho de sete cabeças como muitos pensam. O importante é ter discernimento no
momento de planejar o organizar o texto, algo nítido neste exemplo, pois nada
adianta trazer argumentos complexos se estes não estão organizados.
Até a próxima semana!
2 Segundo o Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, marketing é uma estratégia empresarial de otimização de lucros através da adequação da produção e oferta de suas mercadorias ou serviços às necessidades e preferências dos consumidores, para isso recorrendo a pesquisas de mercado, design de produtos, campanhas publicitárias, atendimentos pós-venda etc.
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em
Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente
trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua
Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes
universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções
de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da
Educação (MEC).
Postado em: https://www.infoenem.com.br
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