Posted: 27 Dec 2015 09:40 AM PST
Drummond, lançando mão da
metalinguagem, afirmou sobre essa busca que:
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.(…)
(In: http://editora.cosacnaify.com.br/blog/?tag=poesia-traduzida Acesso em 23-12-2015)
A luta a que o poeta se refere é a escolha das palavras exatas, as que expressem as ideias e os sentimentos e os fixem no papel para o deleite ou reflexão do leitor. Vamos agora transferir do universo da poesia para o mundo real essa busca: nos textos objetivos a necessidade de precisão é ainda maior, principalmente se estivermos trabalhando com os textos dissertativo-argumentativos exigidos nos vestibulares.
Ao lado dos problemas
gramaticais e ortográficos, a inadequação na escolha das palavras é dos
problemas mais frequentemente apontados nas correções e que acaba interferindo
em outro ponto relevante nesse tipo de texto: a clareza! Uma hipótese para
explicar essa ocorrência pode ser a pequena frequência de consulta aos
dicionários. Como assim?
Bem, existem, na mente de
cada pessoa, dois conjuntos de palavras, os quais são pessoais mesmo,
alimentados pelas experiências de vida e de leitura de cada um. Um é o vocabulário ativo,
composto por palavras cujo significado conhecemos e por isso empregamos na
construção de nossos enunciados. O outro é o vocabulário
passivo, formado por palavras que ouvimos ou lemos e temos uma ideia
às vezes não muito exata do significado. Como o adjetivo ‘sísmico’ – já o lemos
nos textos de Geografia, mas quem não foi ao dicionário ou buscou o significado
exato em outra fonte (vale inclusive perguntar ao professor) consegue se
lembrar dela, associar à disciplina, mas não consegue empregá-la adequadamente
num texto.
A partir dessa ‘não
pesquisa’, algumas pessoas acabam empregando os termos por considerá-los
‘vistosos’, mas não o fazem no contexto adequado.
Outras vezes é a mídia a
responsável, já que um jornalista incauto acaba usando inadequadamente um termo
e, tal qual uma doença, esse uso inadequado se alastra com a velocidade dos
meios modernos de comunicação. Vejam alguns exemplos de inadequação, colhidos
no meio jornalístico e adaptados para cá:
§ A vítima teve um fígado afetado. – A inadequação consiste no emprego do
‘um’, como se alguém tivesse dois fígados… O ideal seria dizer que a vítima
teve O fígado afetado.
§ Meu primo precisou operar o joelho. – A
menos que o tal primo seja cirurgião, o ideal seria dizer que o primo passou
por uma cirurgia no joelho ou teve o joelho operado.
§ O Fulano lutava com a doença há algum
tempo. –
Lutar com significa que ele teve companhia nessa luta, a doença era sua
companheira, e não acredito que fosse o caso… O ideal seria dizer que ele
lutava CONTRA a doença.
§ Os jornais repercutiram a notícia. – Aqui vou reputar a responsabilidade
aos jornalistas mesmo, pois só nesse contexto é que já encontrei tal
inadequação. O problema é a transitividade do verbo – repercutir é intransitivo
e o sujeito só pode ser a notícia!!! Reformulando teríamos duas opções: “A
notícia repercutiu” (nos meios de comunicação ou em outro lugar) e “Os jornais
divulgaram a notícia”.
Para evitar tais inadequações
e para ampliar o já mencionado vocabulário ativo (o que vai consequentemente
enriquecer seus textos) a recomendação é o uso abusivo do dicionário. Vou
terminar o texto de hoje como comecei: com um poema, desta vez de Pablo Neruda,
“Ode ao dicionário”, para ilustrar a relevância de tal ferramenta na vida do
escritor:
E é bonito
recolher nas tuas filas
a palavra de estirpe,
a severa
e esquecida
sentença,
filha da Espanha,
filha da Espanha,
endurecida
como grade de arado,
como grade de arado,
fixa no seu limite
de antiquada ferramenta,
preservada
com a sua formosura exata
com a sua formosura exata
e a sua dureza de medalha. (…)
(NERUDA, Pablo. Oda al
diccionario/Ode ao dicionário. In: Antologia poética. 22. ed. Tradução de
Eliane Zagury. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. p. 209-214.)
Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), onde
também concluiu seu mestrado. Mais de 20 anos de experiência, corretora do
nosso sistema de correção de redação e responsável pela resolução das apostila
de Linguagens e Códigos do infoenem, a professora é colunista de gramática do
nosso portal . Seus textos são publicados todos os domingos. Não perca!
Nenhum comentário:
Postar um comentário