Posted: 29 Oct 2015 10:31 AM PDT
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
de 2015 entrou para a história como a versão mais libertária de todas, já que
fez com que os mais de 7 milhões de candidatos refletissem sobre feminismo e
a violência contra as mulheres. Em uma sociedade tradicional, patriarcal,
machista, misógina e sexista como a brasileira, na qual as mulheres ainda são
vistas como objetos sexuais, submissas às vontades dos homens e inferiores no
mercado de trabalho, o que o Enem 2015 fez ao trazer Simone de Beauvoir
(filósofa e escritora francesa) e abordar como tema da proposta de redação a
violência contra a mulher foi evidenciar que a desigualdade entre os gêneros e
o ódio pelas mulheres devem acabar no nosso país.
A violência contra as mulheres,
infelizmente, é um tema recorrente no Brasil, tanto que no fim de 2014 o
sugerimos como um tema relevante e possível
para o Enem 2015, já que inúmeros casos de assédio sexual, estupros e
feminicídios começaram a vir à tona aliados ao pensamento errôneo de que,
muitas vezes, as mulheres são culpadas por usarem roupas curtas, justas e
decotadas. A cada dia que passa, o assunto ganha mais visibilidade com as
campanhas “Chega de Fiu Fiu”, por exemplo, que combate as cantadas ofensivas
nas ruas, nos transportes públicos, no ambiente profissional etc.
Já o candidato que relativizou o
tema, isto é, que negou o seu caráter absoluto, diminuindo de alguma forma
a importância da discutir a violência contra as mulheres, argumentando que é um
exagero, por exemplo (como nas redes sociais), provavelmente tangenciou o tema
e, assim, terá uma nota muito baixa como um todo.
Quem negou ou relativizou o tema não
deu a devida atenção aos textos motivadores da coletânea textual, não os leu de
maneira adequada – e mostrou-se um machista, infelizmente – já que os dados
expõem a violência contra as mulheres em números e estes são estarrecedores.
O Texto 1, por exemplo, extraído
do Mapa da Violência de 2012, afirma que entre os anos de 1980 e 2010 mais de
92 mil mulheres foram assassinadas no Brasil, 43,7 mil só nos últimos dez anos,
resultando em um aumento de 230%. É importante ressaltar, nesse contexto, que a
lei Maria da Penha entrou um vigor em 2006, ou seja, nos últimos quatro anos
dessa pesquisa já abrangeram a vigência da referida lei e, mesmo assim, as
mortes de mulheres só aumentaram.
Imagem: Reprodução do caderno com
textos de apoio da proposta de redação.
O Texto 2, por sua vez, é um
gráfico que representa os números de cada tipo de violência contra as mulheres,
já que esta pode se dar por meio de vários crimes, como por exemplo, violência
física (51,68%), violência psicológica (31,81%), violência moral (9,68%),
violência sexual (1,94%) e assim por diante. Esses dados são de 2014 e é
fundamental enfatizar que tratam-se de números oficiais, ou seja, que chegaram
ao conhecimento das autoridades policiais por meio de denúncias e é de
conhecimento de todos que muitas mulheres, vítimas de agressões físicas,
assédios sexuais e estupros não denunciam seus agressores por medo, por
vergonha, por insegurança etc.
Já o Texto 3 é uma campanha
sobre os feminicídios, isto é, sobre os assassinatos de vítimas mulheres
por elas serem mulheres e nada mais, já que existem homens que odeiam as
mulheres e as matam simplesmente por isso. O feminicídio, aliás, foi transformado
em crime hediondo em março deste ano.
Finalmente, o Texto 4, é, na
verdade, um conjunto de infográficos sobre o impacto em números da lei Maria da
Penha. Ficamos contentes com esses dados, já que uma das propostas de redação
do nosso Curso de Redação é,
justamente, os efeitos da lei Maria da Penha no Brasil. É o Texto 4 que
dá abertura para o candidato refletir sobre a proposta de intervenção social,
já que ele nos mostra, assim como o Texto 1, que a referida lei proporcionou um
avanço no assunto, mas não o solucionou, lembrando, de novo, que esses números
são os oficiais e, sem sombra de dúvida, são maiores se pensarmos nos casos que
não são denunciados pelas vítimas.
O Texto 4 nos mostra que existem, no
Brasil, 52 varas especiais e juizados especializados em violência doméstica e
familiar contra as mulheres; tendo em mente a proporção continental do nosso
país e o número de habitantes, esse número não é suficiente. A referência não
traz a data de publicação desses dados, o que é uma falha de elaboração da
proposta de redação, mas temos a informação de que apenas 33,4% dos casos foram
julgados, isto é, um número muito pequeno que demonstra o quanto a justiça
brasileira é lenta.
Há homens que sofrem violência
doméstica e se apoiam na lei Maria da Penha, já que essa diz respeito à
violência doméstica e, por isso, 58 mulheres foram enquadradas e presas por
essa lei em 2010; porém, o número de homens enquadrados e presos no mesmo
período é muito maior: 2.777.
Portanto, podemos afirmar que as
mulheres sofrem uma violência específica, já que são assassinadas porque
são mulheres, assediadas nas ruas, nos transportes públicos e no ambiente
profissional e estupradas por desconhecidos e conhecidos, já que sete em cada
dez mulheres afirmam terem sido agredidas pelos seus companheiros (maridos,
noivos, namorados dentre outras formas de relação).
Deste modo, como apenas a vigência
da lei Maria da Penha não colocou um fim à violência contra as mulheres, como
podemos combater a sua persistência na sociedade brasileira? Basicamente
esta é a pergunta que a coletânea de textos motivadores fez aos candidatos ao
Enem 2015, além de questionar, nas entrelinhas, como podemos fazer com que o
número de denúncias aumente, como podemos conscientizar os cidadãos
brasileiros, como um todo, como podemos lutar contra o machismo, como a
judiciário pode se tornar mais efetivo nesses casos etc.
Infelizmente, o candidato não pode alegar
surpresa em relação ao tema da proposta de redação do Enem 2015, já que a mídia
noticia, todos os dias, casos de violência contra as mulheres. O seu grande
mérito foi fazer com que todos nós, candidatos ou não, refletíssemos sobre esse
tema que alguns machistas insistem em dizer que não é bem assim, persistindo em
inferiorizar e diminuir a importância da mulher na sociedade.
*CAMILA DALLA POZZA
PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo
funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi
corretora de redação em importantes universidades públicas. Além disso, também
participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive
prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).
Postado em:
https://www.infoenem.com.br
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